Acordo da Vale é rejeitado por 87% dos moradores de Macacos, revela UFMG

Fernanda Tuna, 38, não esquece os instantes de terror que sucederam entre a ligação de uma amiga denunciando que sirenes seriam soadas pela Vale e o momento em que conseguiu retirar o pai, de 81 anos, do imóvel em que ele vivia no distrito de São Sebastião das Águas Claras (Macacos), em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, na noite de 19 de fevereiro de 2019. A cerca de três meses do aniversário da data, a professora de inglês, moradora da região, guarda na ponta da língua uma série de questionamentos em relação à forma como a mineradora, proprietária da barragem B3/B4, da mina Mar Azul, há mais de um ano sob risco iminente de rompimento, lida com residentes no distrito que tiveram as trajetórias bruscamente substituídas por um cenário de incertezas.

O drama ganhou outros capítulos quando um acordo firmado entre Vale, Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) gerou outros impactos às famílias que residem no distrito ou que foram evacuadas de casa às pressas naquela noite, com a efetivação de mudanças no pagamento do auxílio que, antes semanal, tornou-se mensal – alguns questionam redução de valores e outros, a imposição de uma cláusula que prejudica atingidos. Estudo nomeado “Lama Invisível”, feito pelo programa Polos Cidadania, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), revela que 87% de um grupo de 292 moradores ouvidos não aprovam ou aprovam apenas parcialmente o acordo. A reprovação é de 85% quanto ao termo do documento que prevê a suspensão do pagamento mensal às pessoas que receberam indenização ou que vão recebê-la.

Para Fernanda, o maior problema tem a ver com a questão das indenizações e a suspensão do pagamento mensal do núcleo familiar quando nele há pessoas que receberam indenização. Ela esclarece que em sua família, por exemplo, ninguém mais recebe o pagamento mensal, sendo que apenas ela foi indenizada – e unicamente ressarcida pelo fato de que foi impedida de exercer sua profissão em função da elevação de risco da estrutura B3/B4, como ela detalha.

“Uma das grandes questões que temos com o acordo é que ele alega que, se a pessoa receber uma indenização individual, automaticamente deixa de receber a renda. O primeiro problema é que os valores de indenização variam muito aqui. Sabemos de pessoas que receberam muito, enquanto outras receberam apenas R$ 900”, relembra. “Outra questão gravíssima é que o acordo é claro ao citar que a pessoa indenizada individualmente deixa de receber o pagamento da renda mensal, o que não está acontecendo. Além de cortar a renda do indivíduo, a Vale está cortando a renda de todo o núcleo familiar. O MPMG não está atuando para impedir que essa violação aconteça”, protesta.

De acordo com ela, as indenizações pagas não têm ligação com os núcleos familiares, o que deveria impedir o corte do pagamento mensal. “Eu fui parcialmente indenizada por ter sido impedida de trabalhar como professora de inglês, uma vez que a associação, onde eram minhas aulas, foi fechada por alguns meses. Eles, então, me indenizaram por este problema. Com o novo acordo, pelo fato de eu ter sido indenizada, cortaram o auxílio não só para mim, mas também para meus filhos”, revela.

Outra problemática por ela lançada é que, novamente, no novo acordo, não há previsão de danos morais ou de danos psicológicos, algo que tornou-se corriqueiro entre os moradores do distrito, divididos entre o pânico pela iminência de um rompimento da barragem e a expectativa de reconstruir a vida do zero. “A Vale não paga nenhuma indenização em relação a danos morais puros ou por abalo psicológico, sendo que muitos moradores passaram a sofrer com depressão, síndrome do pânico. Muitas pessoas se mudaram, foram embora. A Vale não tem um olhar humano para o atingido. Aliás, esse acordo foi firmado sem que a comunidade fosse ouvida. A Vale não falou com ninguém”, conclui.

 

“Lama invisível de violências e inúmeras violações de direitos”

O acordo foi firmado entre os meses de março e abril, logo após o início da pandemia do novo coronavírus. A mineradora optou pela suspensão do pagamento semanal de vouchers, sempre às segundas-feiras, em troca de um depósito bancário mensal às famílias.

“Na mesma semana que o município de Nova Lima havia decretado calamidade pública por conta da pandemia, a empresa Vale toma uma providência que é de restringir o número de pessoas que poderiam entrar no escritório da empresa no distrito para pegar os vouchers, que eram distribuídos para alimentação e sobrevivência básicas da população já muito vulnerável. Em 20 de março, foi estabelecido o acordo firmado sem a participação da comunidade. Uma situação gravíssima, e, por isso, nós decidimos analisar a percepção dos moradores com relação a este acordo, estes moradores completamente negligenciados”, detalha o professor André Luiz Freitas Dias, coordenador do programa Polos Cidadania.

Além das críticas feitas por Fernanda Tuna, o estudo também revelou que moradores cujo pagamento de auxílio foi mantido perceberam uma redução importante no valor entregue pela mineradora. “Se, antes, cada membro da família recebia R$ 40 com o voucher por dia, e esses vouchers eram sempre entregues às segundas-feiras, o acordo tomou como parâmetros acordos com atingidos feitos em outras localidades, como em Brumadinho. Em função disso, as famílias sofreram com uma redução em termos de valores pagos mensalmente, uma redução quase à metade do valor que foi pago até março. Isso no meio de uma pandemia”, analisa o pesquisador.

De acordo com o estudo, essas queixas compõem uma série de infrações com os direitos dos moradores que ali residem. “É por isto que nós falamos em uma lama invisível de violências e inúmeras violações de direitos. Até hoje, a Vale não apresentou de forma ampla para a comunidade a mancha da suposta inundação de rejeitos no território. Veja bem, o cenário de incerteza na vida dessas pessoas é muito grande. Não podemos nos esquecer que Macacos é um distrito cercado por sete barragens. Como permanecer em casa com sete barragens de rejeito sobre as cabeças? A situação é gravíssima, e o sistema de Justiça, em relação ao Ministério Público, muito pouco faz. A Defensoria Pública é que tem sido a principal parceira da comunidade, ela está tentando se manifestar”, conclui Freitas Dias.
 

Outro lado

Até a publicação desta reportagem, MPMG e Vale não tinham se pronunciado a respeito das queixas feitas por moradores e trazidas à luz pelo estudo “Lama Invisível”, da UFMG.

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